Autora: Ana Rita Fernandes (Psicóloga)
Com a presença da SARS-Cov-2 surge a urgência em saber sentir, em nos escutarmos, em compreendermos que podemos pensar no medo, no desespero, na angústia, na incerteza. A realidade é que todos nós, todos, precisamos de processar emocionalmente o que estamos a viver. E o que vivemos é, naturalmente, o medo do desconhecido. Encontrar um espaço de aceitação e expressão emocional é imprescindível para a promoção da saúde mental.
É importante olhar para a saúde mental dos portugueses e do mundo e avaliar o impacto do Covid-19. É urgente pensar nas consequências desta pandemia a médio, curto e longo prazo, para que esta pandemia não se traduza numa outra: de propagação da doença mental e de novas doenças mentais. Sim, poderá ser uma nova pandemia.
Um estudo recente realizado pela American Psychiatric Association mostra que o Covid-19 está a afetar seriamente a saúde mental Americana. Em Portugal, a realidade também é assustadora nos diferentes domínios: pessoal, familiar, social, relacional… Os dados mais recentes dizem que os pais em teletrabalho acusam cansaço, perda de apetite, obsessão por limpeza, dores constantes no peito, noites mal dormidas, preocupação constante em estar informado sobre o covid-19, entre outras. Nas consultas de Psicologia da Infância e da Adolescência, verifica-se, um desgaste, quase como um cansaço intrínseco e diário das famílias. Este cansaço traduz-se numa necessidade imediata em não falhar nas tarefas de mãe, pai, filho, professor, profissional e até de cozinheiro. Papéis de vida que, para muitos, eram há um ano atrás totalmente desconhecidos.
Já os mais pequeninos vivem uns, por um lado, numa bolha de superproteção constante (onde já começam a aparecer sintomas de Perturbações Obsessivas Compulsivas, Ansiedade Generalizada) outros, totalmente confusos e outros em risco e afastados dos contextos de referência – que eram a escola, os professores, os amigos e não a família. Sim, a violência conjugal e doméstica é uma realidade que nos assiste, que está presente diariamente e que, tornava-se um pouquinho menos visível, sentida e com interferências menos nefastas para o desenvolvimento destas crianças e para as suas relações futuras, porque a escola era o porto seguro.
Está na altura de parar, olhar para a segunda pandemia que pode, muito certamente, surgir após a Covid-19: a doença mental nas crianças, nos adolescentes, nos adultos e nos idosos.
Considero ainda que se devem criar equipas de vigilância nas famílias de risco, porque todos sabemos que a violência não terminou. Aliás, a probabilidade é que com tamanha instabilidade emocional de todos, só tenha aumentado. Esta vigilância terá que ser constante, onde existam medidas mais direcionadas de apoio às vítimas e aos agressores. Sim, a violência não acabou e assim só irá aumentar!
É um momento dos especialistas das diferentes áreas da Psicologia, da Pedopsquiatria, da Psiquiatria e até da Sociologia pensarem, (re)pensarem, estudarem, analisarem e discutirem o impacto desta pandemia na saúde mental e elaborarem uma linha orientadora de intervenção na saúde mental. Esta linha deverá ser, preferencialmente, de atuação preventiva e não remediativa.
A minha sugestão para se fazer diferente assenta nas diferentes estratégias: a) reforçar os clínicos de intervenção psicológica e torná-los acessíveis a todos; b) falar, falar e falar (da mesma forma que ouvimos testar testar e testar) da importância de aceitar o medo, de libertar as emoções negativas, de perceber que estes sintomas e todos os outros (irritabilidade, ansiedade, fadiga, impulsividade, cefaleias, dores no peito, desconcentração constante, desmotivação) são uma resposta ao que estamos a sentir e a viver; c) criar equipas especializadas e direcionadas para o combate à violência; d) desenvolver equipas especializadas para estar e orientar os idosos, de forma que a solidão não os preencha e que cometam o suicídio e, por último e) desenvolver programas que potenciem o desenvolvimento da empatia nas crianças e nos adultos. Pois, considero que é talvez, o mecanismo mais importante para nos protegermos e por conseguinte, protegermos a saúde, mental e física de todos nós: a capacidade de nos colocarmos no lugar do outro. A isto se chama Empatia.
Por fim, gostava de vos pedir para conjugarem o medo e a esperança em fazer diferente para sim, ficar tudo melhor.
Ana Rita Fernandes
Psicóloga da Infância e da Adolescência