Como evitar ecrãs e estimular a linguagem do seu filho

Como evitar ecrãs e estimular a linguagem do seu filho

Autora: Sara Pimentel (Terapeuta da Fala)

Como profissional que trabalha diretamente com famílias com filhos em idade pré-escolar, considero de extrema importância falarmos sobre o impacto que a exposição e o uso excessivo de ecrãs têm na aquisição e no desenvolvimento da linguagem oral e da fala da criança.

A linguagem é o sistema através do qual o ser humano comunica as suas ideias e sentimentos, seja através da fala, da escrita ou de outros signos convencionais e esta, juntamente com a comunicação, desenvolve-se desde o nascimento passando por várias etapas.

 Dos 0 aos 12 meses: esta é a fase “pré-linguística”. Aqui a criança não usa palavras, é uma fase preparatório da linguagem; a criança comunica com as pessoas através do choro para manifestar as suas necessidades. Também sorri socialmente, vocaliza e grita. É aqui que surge também o choro diferenciado com nuances diferentes onde a mãe já é capaz de entender cada uma das suas mensagens. A criança começa também a brincar com os sons e com o passar dos meses, ela aprende a pronunciar vogais e algumas consoantes, como “papapa”, “mamama” e “padada”; no final desta etapa a criança pode repetir e produzir algumas palavras simples como “mamã e “papá”.

Dos 12 aos 24 meses: neste período, a criança entende e cumpre ordens simples e é capaz de usar palavras simples. Aponta para figuras ou objetos nomeados pelos pais e faz pequenas intervenções a respeito de uma história curta que ouviu, reconhece o próprio nome respondendo quando é chamada.

Dos 2 aos 6 anos: nesta fase a criança irá combinar palavras simples em frases simples que se irão tornar cada vez mais complexas e melhor estruturadas até chegar a uma narrativa com maior organização. Além disso, a criança será capaz de iniciar e manter uma conversa com vários turnos, com vários interlocutores e sobre temas abstratos.

É com enorme facilidade que hoje em dia as crianças descobrem a televisão, os portáteis, tablets e smartphones nos contextos em que estão inseridas. No início, exploram-nos por mera curiosidade, o que é uma característica comum às crianças nas primeiras etapas de desenvolvimento infantil. No entanto, o sinal de alarme surge quando os dispositivos tecnológicos se tornam a principal fonte de brincadeiras e de prazer da criança.

É por isso fundamental estramos atentos e regular a interação com os ecrãs de forma a evitar a sua dependência.

Recomenda-se por isso que:

  • As crianças com menos de 18 meses não estejam em contacto com dispositivos eletrónicos e o tempo de ecrã deve ser zero;
  • Entre os 18 meses e os 2 anos pode ser introduzido conteúdo de cariz educativo;
  • Entre 2 e os 5 anos, o tempo de ecrã deve estar limitado a 1 hora diária;
  • Nas crianças em idade escolar deve ser estabelecido um período tempo (limitado a 2 horas/dia ou 3h ao fim de semana) e tipo de programas/aplicações permitidos, para que haja um equilíbrio entre o tempo de ecrã e outras atividades;
  • Para os adolescentes recomenda-se o mesmo que para as crianças em idade escolar. É normal e importante a utilização de redes sociais por parte deste grupo etário, como forma de interação, socialização e suporte emocional.

A realidade é, contudo, muito diferente! As crianças passam mais tempo em frente aos ecrãs do que o aconselhável. Este hábito prejudica a sua saúde e o seu desenvolvimento cognitivo e social. Esta dependência e este tempo excessivo de ecrãs poderão ter impacto em diferentes áreas do desenvolvimento.

 

Qual será então o impacto dos ecrãs no desenvolvimento de uma criança?

  1. Défice no desenvolvimento cognitivo e problemas de aprendizagem

A exposição precoce e excessiva aos dispositivos eletrónicos pode gerar um défice de atenção e concentração nas crianças. Os estímulos gerados pelos ecrãs são múltiplos e de curta duração. Além disso, a linguagem verbal tende a ser escassa/limitada ou gramaticalmente incorreta, modelo que a criança poderá começar a usar, pois como sabemos a linguagem desenvolve-se através da imitação.

Os dispositivos eletrónicos interferem negativamente com a aprendizagem e desenvolvimento infantil, com impacto no aproveitamento escolar. De resto, a dependência dos ecrãs compromete o desenvolvimento da capacidade de visualização 3D e de orientação visual/espacial. Isto porque os ecrãs, contrariamente ao ambiente real, apresentam apenas imagens 2D.

  1. Atraso no desenvolvimento motor e obesidade

A dependência dos ecrãs faz com que as crianças se tornem menos ativas e interajam com um menor número de objetos reais e manipuláveis, de dimensões, pesos e formas variadas. Isto condiciona, particularmente, a motricidade fina.

O uso excessivo de dispositivos móveis pode também causar sedentarismo, comprometendo o desenvolvimento infantil saudável. As crianças passam mais horas sentados do que a brincar ativamente. O sedentarismo e uma alimentação nutricionalmente desadequada são fatores de risco que contribuem para a obesidade infantil.

  1. Dificuldades de socialização

Para existir socialização, os mais novos necessitam de estar em contacto presencial com outras            crianças ou adultos. Isso torna-se inviável através dos ecrãs. Na verdade, qualquer comunicação que ocorra via um dispositivo tecnológico será sempre intermediada por esse aparelho. Perante situações menos positivas, esta condicionante causa uma falsa sensação de controlo à criança.

Devido aos equipamentos eletrónicos, as crianças participam em menos atividades, tornam-se mais introspetivos e apresentam dificuldades em controlar a impulsividade quando a sua sensação de controlo é, de alguma forma, afetada.

Além disso, a dependência dos ecrãs influencia o aparecimento de condutas agressivas. As crianças aprendem, sobretudo em tenras idades, por imitação. Logo, não sendo capazes de filtrar as atitudes violentas explícitas a que são expostas através dos media e dos videojogos, acabam por assumir esses comportamentos.

Ocorre ainda um menor estímulo da conversação e consequentemente menos interesse para o fazer, o que levará por sua vez à diminuição do uso da fala e linguagem que pode resultar num atraso no desenvolvimento destas áreas.

  1. Diminuição da qualidade de sono

Os dispositivos dotados de ecrã são portas abertas para um sem número de conteúdos constituindo fontes de estímulo e distração para as crianças, sendo fácil perder a noção do tempo e interferindo com a hora de deitar e de acordar.

Por outro lado, e na maioria dos casos, estes dispositivos permanecem ligados a noite inteira comprometendo a qualidade do sono ou mesmo interrompendo-o, uma vez que a luz emitida pelos ecrãs inibe a produção de melatonina endógena, uma importante hormona reguladora do sono.

Na idade pré-escolar, a falta de sono manifesta-se por maior irritabilidade, instabilidade de humor, défice de atenção e agressividade.  Com impacto também no desenvolvimento cognitivo e linguístico no que refere à aquisição de novos conceitos e aprendizagens.

  1. Visão

A exposição excessiva e prolongada ao ecrã está associada a visão desfocada, sensação de olho seco, dores de cabeça e irritabilidade, que são queixas muitas vezes desprezadas.

As crianças são particularmente vulneráveis a estes sintomas, porque têm tendência a aproximarem-se demasiado do ecrã sem fazerem pausas regulares, o que conduz a um maior esforço do olho.

Associadamente, as crianças brincam cada vez menos na rua e mais com estes dispositivos em ambientes fechados, reduzindo a exposição à luz solar e, consequentemente, a produção de dopamina (uma substância essencial para evitar o aumento axial do globo ocular), o que aumenta o risco de miopia.

Numa sociedade envolta em tecnologia, lidar com este problema é um enorme desafio. Cabe-nos a nós, pais e cuidadores implementar regras para evitar que os filhos se tornem viciados em equipamentos eletrónicos. Só com uma orientação adequada as crianças conseguirão tirar o melhor partido da tecnologia e ter um desenvolvimento infantil saudável.

 

Como podemos então estimular e ajudar no desenvolvimento linguístico de uma criança?

Todos os dias e todos os momentos das rotinas diárias são bons momentos para potencializar e estimular a linguagem e a comunicação. Por isso deixamos aqui algumas dicas para que possa colocar em prática.

  1. Converse com a criança

É muito importante conversar bastante com a criança, desde o nascimento. Por isso, aproveite os momentos como a hora do banho, de vestir, das refeições, brincadeiras e passeios para estimulá-la, dizendo o nome e as funções ou qualidades dos brinquedos, objetos, partes do corpo, alimentos.

  1. Mantenha-se ao mesmo nível da criança

Ao conversar com a criança, procure ficar sempre na mesma altura e olhar para ela.

  1. Seja objetivo

Com crianças pequenas, utilize palavras simples e frases curtas.

  1. Pronuncie as palavras corretamente

Fale corretamente, usando boa articulação e entonação. Evite falar de forma infantilizada, utilizando diminutivos.

  1. Dê à criança a oportunidade de falar

Não responda prontamente quando a criança tentar comunicar através de gestos ou sons vagos, mesmo que saiba o que ela deseja. Nesse momento pode perguntar, por exemplo, se ela quer água e aguarde até ela responder. Pode também fazer com que ela peça repetindo a palavra “dá”.

  1. Reforce a fala

Reforce, de forma positiva, qualquer tentativa de fala da criança, mesmo que a palavra seja produzida de forma incorreta.

  1. Corrija

Quando a palavra for produzida de forma incorreta, dê o modelo correto à criança, por exemplo, a criança pede “neca” então pode responder “queres a boneca?”.

  1. Dê espaço à criança

Não fale constantemente com a criança, dê espaço na conversa para que ela tenha oportunidade de responder.

  1. Estimule de diversas maneiras

Conte histórias, cante músicas, leia livros, explore os objetos e sons do ambiente. A criança aprende e desenvolve as suas habilidades de fala e linguagem a partir dos estímulos e modelos que recebe desde o nascimento. Promova a imitação.

 

 

       Sara Pimentel          Terapeuta da Fala