O Impacto da Perturbação do Processamento Auditivo Central no desempenho académico

O Impacto da Perturbação do Processamento Auditivo Central no desempenho académico

Autora: Sara Carvalho (Terapeuta da Fala)

Não basta ouvir, é preciso compreender o que ouvimos!

Esta frase é o mote ideal para enquadrarmos um tema que, apesar de ser estudado há mais de cinco décadas, é desconhecido para a maioria da população: O Processamento Auditivo Central (PAC). Na década de 50 do século XX já se demonstrava interesse e importância em avaliar o Processamento Auditivo Central em crianças com dificuldades de comunicação, para além disto, pesquisas científicas mais atuais demonstram uma forte relação entre a Perturbação do Processamento Auditivo Central (PPAC) e o baixo desempenho académico (Nunes, 2015).

Mas afinal o que é o Processamento Auditivo Central?

Segundo a ASHA – American Speech-Language Association (1996-2005),refere-se ao conjunto de “processos e mecanismos do sistema auditivo responsáveis pelos seguintes fenómenos comportamentais: localização e lateralização sonora, discriminação auditiva, reconhecimento de padrões auditivos, aspetos temporais da audição, desempenho auditivo na presença de sinais competitivos e desempenho auditivo com sinais acústicos degradados”. Estas competências auditivas são responsáveis pela capacidade de o ser humano processar corretamente os sons e, deste modo, interpretar o que ouve. Uma PPAC poderá estar associada a dificuldades na compreensão oral, na linguagem e na aprendizagem (Jerger e Musiek, 2000).

Existem vários sinais de alerta de uma possível PPAC, entre eles: dificuldade na compreensão da fala em ambientes ruidosos, dificuldade na localização da fonte sonora, dificuldade na compreensão da mensagem quando o interlocutor fala rápido, pedidos frequentes de repetição e/ou reformulação da informação, inconsistência na resposta auditiva, dificuldade em memorizar informações verbais-orais e seguir instruções, dificuldade em detetar mudanças subtis na prosódia que indicam sarcasmo/humor, fracas capacidades relacionadas com a música e dificuldade em aprender outra língua, dificuldade em manter a atenção auditiva, entre outros (ASHA, 2005; AAA, 2010).

Mediante os sinais de alerta indicados, conseguimos desde logo perceber que o rendimento académico destas crianças estará, à partida, comprometido. A família é a principal responsável pela educação das crianças, sendo que o professor/escola assumem também um papel muito importante nesta área, por isso é que, na minha opinião, é essencial que se crie uma relação de cooperação entre família-escola. Perante uma situação de PPAC, à família cabe procurar o profissional especializado para intervenção na área do Processamento Auditivo Central (Terapeuta da Fala especializado), ouvir e seguir as orientações do profissional e dar continuidade em casa ao trabalho realizado na terapia. À escola, aos professores, cabe uma educação inclusiva, fornecendo apoios/facilitadores/estratégias para promover melhorias ao nível do desempenho académico da criança com PPAC e, consequentemente, do seu bem-estar em contexto escolar.

Para crianças com PPAC, o simples ruído de um ar condicionado em sala de aula ou o tacão dos sapatos da professora a bater de forma constante no chão, podem prejudicar a compreensão da informação que a criança ouve. E a verdade é que, com simples adaptações ao ambiente, conseguimos minimizar estas consequências. Algumas destas estratégias podem passar por: mudar o lugar do aluno na sala – o mais próximo possível do professor, longe de locais ruidosos, como portas e janelas; a utilização, por parte do professor e do aluno, de um aparelho de amplificação sonora (sistema FM) para melhorar a audibilidade e claridade do sinal acústico; controlo do nível de ruído na sala de aula através de aplicações gratuitas existentes para telemóvel; monitorização da compreensão da informação por parte do aluno e repetição da informação, se necessário; utilizar pistas visuais; fazer uso da melodia no discurso; e antecipar ao aluno os novos conceitos e vocabulário que serão utilizados posteriormente na aula.

Da minha prática consigo perceber e concluir que quanto mais estreita for a relação entre o Terapeuta da Fala a intervir na PPAC, a família, a escola e os outros profissionais envolvidos, maior o sucesso das estratégias de intervenção implementadas, garantindo melhorias significativas no desempenho académico da criança e na manutenção do seu interesse para as aprendizagens, sendo visíveis ainda melhorias ao nível da motivação e da autoestima da criança essenciais para o seu desenvolvimento saudável.

“Tão importante quanto o que se ensina e se aprende, é como se ensina e como se aprende.” (César Coll)

 

Sara Carvalho – Terapeuta da Fala

 

AAA. (2010). AMERICAN ACADEMY OF AUDIOLOGY CLINICAL PRACTICE GUIDELINNES: diagnosis, treatment and management of children and adults with central auditory processing disorder.https://audiology-web.s3.amazonaws.com/migrated/CAPDGuidelines 8-2010.pdf_539952af956c79.73897613.pdf

ASHA. (2005). Understanding Auditory Processing Disorders in Children. https://www.asha.org/public/hearing/understanding-auditory-processing-disorders-in-children/

Jerger, J., &Musiek, F. (2000). Report of the Consensus Conference on the Diagnosis of Auditory Processing Disorders in School-Aged Children. J Am Acad Audiol, 11(9), 467–474.

Nunes, C. (2015). Processamento Auditivo: Conhecer, Avaliar e Intervir (1a edição). Lisboa: Papa-Letras.