O que é brincar nos dias de hoje?

O que é brincar nos dias de hoje?

Autora: Mamie Brunk (Terapeuta Ocupacional)

Antigamente o brincar não era contabilizado, não se olhava para o mesmo como uma tarefa essencial na checklist do dia a dia da criança. Era algo que acontecia de forma espontânea sem tempo. Também o custo e nível de vida eram diferentes, os brinquedos não eram tão acessíveis e a oferta era reduzida, assim, surgia a necessidade de criar brinquedos com os elementos da natureza ou objetos disponíveis em casa, surgiam as bonecas feitas com novelos de lã e construíam-se carros com garrafas de plástico e as suas tampas. A segurança que se sentia em permitir às crianças brincarem à porta de casa ou andar de bicicleta pelo bairro era diferente na altura. A vida podia ser difícil mas ainda assim eram geradas estas oportunidades.

As crianças de hoje, com a panóplia de brinquedos disponíveis no mercado, com a tecnologia muito mais avançada, será que têm à disposição as mesmas oportunidades para brincar? Será que lhes proporcionamos essas oportunidades? Será que ao encher-lhes o quarto com brinquedos lhes estamos a facilitar um comportamento lúdico ou competências de brincar?
Perguntemos a qualquer família, com uma criança em desenvolvimento, a morar num apartamento, se na altura da pandemia não se sentiram, de certa forma, negligenciados pela fraca disponibilidade do meio para poder proporcionar experiências sensório motoras e lúdicas ao seu filho, apesar da quantidade imensa de brinquedos em casa. Entre não ter o suporte social, ter a exigência do teletrabalho, preparar as refeições, tomar conta de uma criança e não poder sair de casa, sinceramente, mereciam uma medalha. Será que sentiram o verdadeiro sentimento de injustiça ocupacional?

O mundo está a mudar e com ele mudam-se as rotinas, o tempo, a disponibilidade e as exigências do meio. As crianças de hoje não têm as mesmas oportunidades de brincar que tinham os nossos pais, e até mesmo nós, na infância. Então, o que podemos fazer? Os pais de hoje sabem que brincar é importante, ouvem-no em todo o lado, nas redes sociais, na televisão, na escola, mas como é que vão arranjar tempo para tal?

A criança tem o direito de brincar e a literatura diz-nos, em várias áreas de estudo, seja de psicologia, de sociologia, ciência ocupacional, que a privação do brincar, seja ela imposta ou circunstancial, tem implicações diretas nas suas competências e no seu desenvolvimento.

Então o que é brincar e como o podemos promover?
De acordo com Bundy (2012), brincar é a principal área de ocupação das crianças, é através do brincar que se desenvolvem competências. Tal como Albert Einstein referia “o brincar é a mais elevada forma de pesquisa”. Isto significa que não existe um brincar certo ou errado, facto verificado também na globalização, multiculturalização e diferentes tradições. Na minha prática clínica, muitos pais perguntam que atividades devem fazer com o filho. A verdade é que não é suposto programar o quê, quando e onde brincar, é necessário compreender que, para estarmos a brincar, é importante um equilíbrio no comportamento lúdico. Bundy (2012) refere que o comportamento lúdico identifica o que é ou não brincar, nomeadamente ter o controlo interno, a motivação intrínseca, a suspensão da realidade e o enquadramento. Isto é, será que a criança se sente segura em iniciar o que fazer, como fazer? Faz escolhas? Demonstra prazer? Tem preferências? Está envolvido no processo? Apresenta criatividade e imaginação? Modifica e persiste aquando encontradas barreiras? Interage e partilha com os pares?
Atualmente, o brincar tem-se tornado cada vez mais tecnológico e virtual, de acordo com Doherty & Carlson 2002, numa pesquisa nacional americana, verificaram que as crianças perderam 12 horas de tempo livre por semana desde a década de 1970 e atestaram uma queda de 50% nas atividades não estruturadas ao ar livre. Mas, tal como antigamente, de acordo com Rodger & Ziviani 2006, as crianças criam oportunidades de brincar com recursos e objetos banais, como no passeio, carros estacionados, árvores, pilhas de lixo, escadas e terra/lama. Para as crianças, a ausência de equipamentos especiais não é uma barreira para o brincar e, por isso, devemos retirar toda a pressão e exigência da sociedade e entender que, como Carlos Neto refere, “o brincar livre não se ensina: vive-se, experimenta-se e descobre-se em qualquer contexto e em qualquer momento”.

Brincar nos dias de hoje é difícil, mas não é impossível, desta forma deixamos à vossa disposição algumas estratégias:

  • Desligar a televisão em casa;
  • Aceitar que as crianças sintam tédio;
  • Ouvir os interesses da criança;
  • Promover tempo e espaço para o brincar livre;
  • Promover variabilidade nas atividades (motoras, cognitivas, emocionais e de interação);
  • Confiar e dar segurança nos riscos;
  • Tempo de qualidade com a família;
  • Tempo com outras crianças;
  • Infantários com espaço exterior e interior para brincar;
  • Contacto com a Natureza ou Parques.

Na terapia ocupacional, através de uma prática baseada na evidência, temos o conhecimento e competência para avaliar esta principal área de ocupação da criança, com avaliações estruturadas e específicas ao brincar. Conseguimos analisar e identificar o que está a atuar como barreira para a participação e envolvimento da mesma, e por isso, olhamos de uma forma holística aos fatores intrínsecos ou extrínsecos da pessoa, do ambiente e do brincar. Assim, quando identificamos a disfunção, promovemos o brincar não só como um meio de intervenção, mas também como um objetivo final, pois reconhecemos a necessidade e o efeito que o brincar tem no seu desenvolvimento.

Mamie Brunk – Terapeuta Ocupacional