Autora: Olga Madeira (Psicóloga)
O neurodesenvolvimento e, de modo particular, as Perturbações do Neurodesenvolvimento, implicam na sua conceptualização vários ramos do saber, desde a Medicina (Pediatria do Desenvolvimento, Pedopsiquiatria; Neuropediatria), à Psicologia e às Terapias Convencionais (Terapia Ocupacional, Integração Sensorial, Terapia da Fala, Educação Especial, Psicomotricidade, Fisioterapia, Nutrição, …). Posto isto, está explícita a necessidade de uma abordagem multidisciplinar, tendo o psicólogo um papel preponderante ao nível da avaliação (cognitiva, socioemocional e comportamental), assim como auxiliar no diagnóstico diferencial para uma intervenção eficaz.
O psicólogo assume um papel de relevância, não só ao nível da avaliação e diagnóstico, mas também na intervenção junto da criança, da família, da escola e da comunidade. Esta intervenção normalmente ocorre num nível de intervenção direta com a criança e numa abordagem de intervenção indireta, em articulação com os contextos de vida onde se insere (social, familiar e escolar).
Como é implementada a intervenção psicológica com crianças com um neuerodesenvolvimento atípico?
A intervenção psicológica, sustenta-se em diferentes modelos, técnicas e abordagens, que procuram apoiar as crianças no processo de desenvolvimento, respeitando sempre as suas particularidades e interesses, tendo como objetivo principal a promoção do seu bem-estar biopsicossocial. No decorrer da minha prática clínica, tenho verificado que não existe uma abordagem/modelo de intervenção que seja genérico e eficiente para todas as crianças e as suas particularidades, pelo que depois de feita a avaliação e conceptualização do caso, é definida a melhor estratégia de intervenção de acordo com o padrão de funcionamento da criança e objetivos terapêuticos traçados.
Como são ultrapassadas as barreiras comunicativas?
A intervenção psicológica com crianças é marcada por um conjunto de especificidades diretamente relacionadas com as suas características e fases de desenvolvimento, pelo que o maior desafio é a procura constante de procedimentos alternativos ao relato verbal. Assim sendo, o simbolismo e o recurso ao brincar são a principal ferramenta de compreensão e de comunicação com a criança. Esta forma de expressão inclui atividades lúdicas como desenhar, pintar, contar histórias, fantasiar, imaginar e interpretar situações, usar bonecos e jogos, tocar instrumentos musicais, entre outros. A sua aplicabilidade depende da informação que conseguimos transmitir e receber da criança, sendo que a finalidade é criar um novo canal de comunicação e ter acesso ao não dito, assim como facilitar a expressão e a projeção de emoções e de sentimentos.
Por que razão o brincar é fundamental na intervenção?
Para além de nos fornecer informações sobre os estados internos e vivências da criança, as brincadeiras dirigidas permitem que esta aprenda respostas alternativas aos seus comportamentos disfuncionais, assim como desenvolva a sua inteligência emocional.
Em suma, o brinquedo é um instrumento do processo de aprendizagem e brincar é uma possibilidade de aprender adequadamente perante determinados estímulos. Através do brincar, a criança analisa o seu próprio comportamento, tendo noção das contingências que o determinam e, a partir desse momento, pode alterar a sua relação com o ambiente permitindo uma melhor adaptação social.
O que diferencia então o brincar no processo de intervenção psicológica do brincar no quotidiano?
O brincar no processo de intervenção psicológica facilita à criança a expressão de sentimentos, dos seus medos, das suas necessidades, para que o psicólogo possa conceptualizar o caso, e por conseguinte, delinear e aplicar as estratégias de intervenção adequadas para potenciar à criança o desenvolvimento das competências em questão e assim promover o seu desenvolvimento harmonioso.
Muito para além do meio de comunicação utilizado e da abordagem teórica implementada no processo de intervenção, existe um pilar que é basilar e transversal em todo o acompanhamento psicológico: o estabelecimento da relação terapêutica. Na relação terapêutica cabem construtos como a empatia, acolhimento, aceitação, validação, sensibilidade na resposta, modelagem. O estabelecimento da aliança terapêutica é um elemento diferenciador que auxilia no processo de expressão e desenvolvimento de competências, que determinam o sucesso da intervenção terapêutica.
No Centro Terapêutico Saluslive, é frequente o acompanhamento multidisciplinar nas Perturbações de Neurodesenvolvimento, pelo que o papel do psicólogo, para além do supra referido, é também o de interligar as diversas intervenções e articular o trabalho realizado com todos os profissionais e figuras de referência da criança.
Bibliografia:
Gonçalves, A. P. (2008). Estilos de vinculação e aliança terapêutica na psicoterapia infantil. Dissertação de Mestrado, Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação – Universidade de Lisboa
Friedberg, R. D., & McClure, J. M. (2004). A prática clínica de terapia cognitiva com crianças e adolescentes (C. Monteiro, Trad.). Porto Alegre: Artmed.
Shirk, S. R., & Saiz, C. C. (1992). Clinical, empirical, and developmental perspectives on the therapeutic relationship in child psychotherapy. Development and Psychopathology, 4(4), 713-728. doi: 10.1017/S0954579400004946
